
O espetáculo visual, por vezes, mascara a fragilidade da narrativa. Essa é a impressão que se tem após a assistir "Fórmula 1 - O Filme", uma superprodução que levou recentemente a elite do automobilismo para o grande telona dos cinemas, com o apelo de cenas de corrida de tirar o fôlego. O diretor, em sua busca incessante por um realismo cinematográfico nas pistas, parece ter negligenciado o combustível essencial de qualquer drama: uma trama original e envolvente. O longa-metragem, protagonizado por Brad Pitt no papel de um piloto veterano que retorna para guiar um jovem talento na fictícia equipe Apex, tropeça no clichê mais básico do gênero esportivo, reiterando a gastíssima disputa de egos entre companheiros de equipe, numa dinâmica que evoca, de forma inescapável, o roteiro previsível e já exaurido de obras como "Dias de Trovão", por exemplo. Tal reiteração não apenas demonstra uma falta de inventividade da narrativa, mas também falha em explorar as ricas e complexas sub-tramas que a própria Fórmula 1, no mundo real, oferece.
Essa deficiência se acentua de maneira curiosa na abordagem de certos expedientes questionáveis dentro do esporte. O filme, em sua tentativa de inserir um elemento de sacrifício estratégico – no qual o personagem de Brad Pitt causar incidentes para acionar o safety car e favorecer o seu parceiro – ecoa involuntariamente em um dos capítulos mais sombrios e controversos da história recente da categoria: o escândalo do Grande Prêmio de Singapura de 2008. Naquele episódio, o piloto Nelsinho Piquet chocou seu carro propositalmente contra o muro, sob ordens do chefe Flavio Briatore da equipe Renault, para forçar a entrada do Safety Car e, assim, pavimentar a vitória de seu colega, Fernando Alonso, que já havia feito seu pit stop. A diferença crucial é que o chamado Singapuragate foi um ato de flagrante anti-jogo que resultou em severas punições e manchou a reputação de diversos envolvidos. Ao trazer para a ficção um cenário quase idêntico da simulação de acidente, o filme, mesmo que em um contexto menos maquiavélico, normaliza ou romantiza uma prática que na realidade é vista com a máxima reprovação e considerada uma trapaça, indo de encontro ao espírito esportivo que se esperaria celebrar. A narrativa perde a oportunidade de criticar a cultura de resultado a qualquer custo, optando por uma manobra dramática que, no fundo, desvaloriza a integridade da competição.
É neste ponto que a opinião do público e da crítica se divide e se torna um elemento fundamental na análise da obra. Os entusiastas da velocidade e da tecnologia, seduzidos pela fidelidade técnica e pela qualidade das cenas filmadas em autódromos reais, ao lado de pilotos da Fórmula 1, tendem a perdoar a superficialidade do enredo. Para eles, a imersão sensorial, a fotografia estonteante e a inegável adrenalina transmitida pelas câmeras onboard já justificam o ingresso, elevando a produção a um "espetáculo visual". O filme, sob essa ótica, cumpre seu papel como um artefato de entretenimento puro e de celebração da velocidade. Contudo, a parcela da audiência que busca um drama sólido e uma caracterização profunda encontra na trama um calcanhar de Aquiles. As críticas que apontam para uma "história genérica" ou um "espetáculo visual raso" sublinham que a superprodução, apesar de seu orçamento colossal e casting de peso, falhou no básico: construir personagens complexos e um arco dramático que fosse além da redenção do piloto em declínio. A falta de ousadia no roteiro impede que o filme atinja a "curva perfeita" da excelência cinematográfica, ficando aquém do legado de dramas esportivos que souberam aliar técnica apurada com uma substância narrativa inesquecível.

No coração da metrópole de Boston, onde a história se entrelaça com o fervor esportivo, ergue-se um monumento silencioso prestes a se despedir: a Matthews Arena. Inaugurada em 1910, sob o nome de Boston Arena, esta edificação não é apenas um local de jogos, mas um templo do esporte e da cultura americana, ostentando o título de arena multiuso em operação contínua mais antiga do mundo e lar da pista de gelo artificial coberta mais antiga.
Sua história ultrapassa um século, testemunhando e moldando o desenvolvimento de modalidades que se tornaram paixão nacional. Foi aqui que o Boston Bruins disputou seu primeiro jogo em casa em 1924, e o Boston Celtics realizou sua partida inaugural em 1946, cravando as raízes de duas das franquias mais icônicas do esporte profissional. As paredes vitorianas da arena viram nascer o lendário torneio de hóquei universitário, o Beanpot, e serviram de berço para potências do hóquei colegial como Boston College, Boston University, Harvard e a própria Northeastern University, que se tornaria sua proprietária em 1979 e lhe daria o nome de Matthews Arena em 1982, em homenagem a George J. Matthews, formando '56, e sua esposa, Hope M. Matthews. Seu palco não se limitou ao gelo e à quadra; foi tablado para lendas do boxe como Jack Dempsey e Joe Louis, e templo para a patinação artística com campeões olímpicos como Sonja Henie e Nancy Kerrigan.
Além disso, acolheu discursos presidenciais e shows de ícones da música, de Bob Dylan a Johnny Cash, demonstrando sua relevância multifacetada para a comunidade. A celebração do centenário em 2009 trouxe renovações, modernizando suas instalações sem descaracterizar seu rico patrimônio histórico. Contudo, como toda boa história, a da Matthews Arena também chega a um epílogo. O anúncio de seu encerramento e demolição, programada para se iniciar em fevereiro, marca o fim de uma era. A motivação por trás desta decisão da Northeastern University reside na necessidade imperativa de uma infraestrutura moderna e de ponta, mais adequada aos padrões atuais do esporte universitário e às demandas de um campus em crescimento, com a previsão de uma nova instalação state-of-the-art para 2028, que será o maior espaço coberto para reuniões da universidade.
As consequências deste adeus são de natureza agridoce: embora abra caminho para o futuro, representa uma perda inestimável para a memória afetiva de Boston e do esporte. Para atenuar este impacto, há o esforço em preservar artefatos e a promessa de que a alma do local viverá nos novos projetos. Este fim de semana, porém, o foco reside no presente, na última salva de honra. O evento derradeiro na pista de gelo, que fechará as cortinas de uma história de 115 anos, será um confronto de hóquei masculino, um embate pela Hockey East entre os anfitriões, Northeastern Huskies, e o rival de longa data, Boston University (BU), neste sábado, dia 13 de dezembro de 2025. Após o apito final, uma cerimônia no gelo selará o adeus a esta "catedral do esporte", honrando a profunda e inigualável marca que a Matthews Arena deixará no mundo.

No grande palco das lendas esportivas, raramente testemunhamos o retorno de um ícone que, após ter aceitado a finitude de sua carreira, decide reescrever o próprio epílogo. Lindsey Vonn, a esquiadora americana que dominou as montanhas geladas por quase duas décadas, protagoniza agora um dos capítulos mais fascinantes da história recente dos esportes de inverno. Cinco anos após uma despedida emocionada e dolorosa, motivada por um corpo que já não suportava as exigências da gravidade e da velocidade, Vonn anunciou seu retorno às competições. O objetivo, audacioso e para muitos inverossímil, é integrar a equipe dos Estados Unidos nos Jogos Olímpicos de Inverno de 2026, em Milão-Cortina, quando terá completado 41 anos de idade.
Este retorno não é apenas um capricho de uma atleta saudosa da adrenalina, mas sim o resultado de uma transformação física e médica surpreendente. Quando Vonn se aposentou em 2019, o fez rendida às lesões; seus joelhos, castigados por anos de descidas vertiginosas a mais de 130 km/h, não possuíam mais cartilagem, transformando a simples ação de esquiar em um calvário. Entretanto, uma cirurgia de substituição parcial do joelho, realizada com sucesso, devolveu-lhe uma qualidade de vida que parecia perdida. A atleta relata que, pela primeira vez em anos, consegue esquiar sem dor, um fator determinante que reacendeu a chama competitiva. Não se trata, portanto, de uma luta contra o passado, mas de uma exploração das novas capacidades de um corpo reconstruído pela medicina e temperado por uma vontade interminável.
O desafio, contudo, é grandioso. Competir em alto nível no esqui alpino, uma modalidade que exige reflexos instantâneos, força explosiva e uma resistência articular sobre-humana, é tarefa árdua para jovens de vinte anos, quanto mais para uma veterana que cruzará a barreira dos quarenta. Ainda assim, Vonn já demonstrou nos treinos recentes que a técnica apurada, aquela que lhe garantiu 82 vitórias em Copas do Mundo — um recorde feminino que permaneceu inabalável até ser superado recentemente por Mikaela Shiffrin —, permanece intacta. A memória muscular de uma campeã olímpica, dona de três medalhas nos Jogos e quatro títulos gerais da Copa do Mundo, parece ignorar o hiato de meia década longe dos portões de largada.
A carreira pregressa de Lindsey Vonn já a colocava como uma das maiores esquiadoras de todos os tempos. Sua dominância nas provas de velocidade, especialmente no Downhill e no Super-G, redefiniu os parâmetros do esporte feminino, aliando uma agressividade técnica ímpar a uma consistência poucas vezes vista. Ela acumulou Globos de Cristal e superou fraturas, rompimentos de ligamentos e concussões, sempre retornando ao topo do pódio. Agora, ao buscar uma vaga para sua quinta Olimpíada, Vonn não tenta apenas ampliar um currículo já dourado; ela desafia a lógica biológica do esporte de alto rendimento. Se conseguir alinhar no portão de largada em 2026, ela não estará apenas competindo contra o relógio ou contra adversárias com metade de sua idade, mas estará provando que a paixão e a resiliência podem, de fato, estender as fronteiras do que consideramos possível para o corpo humano. Independentemente do resultado, a simples tentativa de Lindsey Vonn já solidifica seu status não apenas como uma lenda do esqui, mas como um símbolo atemporal de perseverança.