A camisa vermelha de Cameron Frye
Se por algum acaso você nunca viu o filme "Curtindo a vida adoidado" (Ferris Bueller's Day Off) de 1986, recomendo que o faça com urgência. Se trata de um grande clássico dos anos 80, da sessão da tarde e certamente da infância ou juventude de muitos daqueles que hoje estão entre os 30 e 40 anos. Acredito que talvez hoje o impacto não seja o mesmo de assistir na época em que foi lançado, principalmente depois de ver Matthew Broderick brigando com o Godzilla, Alan Ruck fazendo figuração em um ônibus que vai explodir ou Mia Sara sem aquele beleza toda que encantava, mas mesmo assim ainda deve valer à pena. Principalmente se soubermos a verdadeira história por trás da camisa vermelha que era usada por Cameron Frye.
Para quem não conseguiu reparar, era uma camisa de hóquei no gelo. Robin Scherbatsky iria adorar essa história. Porém, apesar da história se passar na cidade de Chicago, a camisa não é do Chicago Blackhawks e sim do Detroit Red Wings. Como assim? E atrás, além de um grande número 9, está escrito também, em letras não muito menores, Howe. E quem seria esse tal Howe do Red Wings? Ninguém menos do que Gordie Howe, um dos maiores jogadores do time e também de toda a história da NHL. Quase 2000 jogos e mais de 2000 gols! O cara conseguiu a façanha de se aposentar duas vezes, sendo que na segunda vez, em 1980, ele tinha nada a menos do que 52 anos de idade.
E por que Cameron Frye usava em Chicago uma camisa do Detroit Red Wings, de um jogador que na época já havia se aposentado? Uma das explicações é que o diretor do filme, o gênio desse tipo de filme John Hughes, nasceu em Michigan, estado cuja maior cidade é Detroit, que por sua vez não fica muito longe de sua cidade natal Lansing. Ele nasceu em 1950 e Howe começou a jogar em 1946, provavelmente era o seu fã nos anos de 1960 e 1970. Além disso, durante uma entrevista para a Sports Illustrated, Gordie Howe afirmou que enviou a tal camisa vermelha do Red Wings para Hughes, para que ela pudesse ser usada no filme. A única dúvida, no entanto, se da por conta de que a camisa não era totalmente perfeita para ser verdade.
Não que se duvide da palavra de Howe, mas talvez nem ele tenha mais uma camisa como a de Cameron Frye. A camisa é completamente diferente de qualquer camisa que o Detroit Red Wings já viu em toda a sua história desde 1926. Começando pelo logo da equipe que está um pouco acima do lugar de costume, sem falar que está cerca de 60º inclinado para baixo, ou seja, as asas não são em linha reta e sim em diagonal. A roda também não é perfeita, faltam algumas listas vermelhas. A gola da camisa oficial sempre foi vermelha, mesmo nas camisas vermelhas. A faixa branca não é tão alta e quase sempre está no final da camisa. Sem falar que Howe jamais usou uma camisa com seu nome nela, os nomes só começaram a ser usados em 1977 e Howe saiu do Detroit em 1971.
Uma camisa verdadeira e raríssima enviada pelo próprio jogador ou uma simples falsificação comprada logo ali na esquina da Wyoming com a Plymouth? Não importa, o que importa é que na grande Chicago, em um dia de sol com direito a idas em museus e restaurante caros, Cameron ignorou a excelente campanha que o Chicago Black Hawks fizera naquela ano na temporada regular e foi, descaradamente, ao Wrigley Field, assistir a um jogo de beisebol do Chicago Cubs vestindo a camisa do Detroit Red Wings. Sorte dele e de Ferris terem saído vivos de lá. A Ferrari acabou toda destruída e até hoje não sabemos o que aconteceu com Cameron e seu pai, mas agora pelo menos sabemos um pouco mais sobre a camisa vermelha de Cameron Frye em "Curtindo a vida adoidado".
2 Comentários:
Estava assistindo esses dias ao filme e sempre quis saber que time era esse. Sabia que era de hóquei mas não conhecia o time e ainda mais a estória por trás e suas incongruências. Parabéns.
Não sei quem escreveu o comentário acima, mas se você retornou aqui eu quero lhe agradecer imensamente por ter escrito isso. Estive relendo o texto agora e penso que poderia tê-lo escrito um pouco melhor, mesmo assim me encanta saber que alguém se interessou tanto por esta história como eu no dia que a escrevi em novembro de 2014. Muito obrigado!
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